Prof. Me. Helberty Coelho diretoria@hcoelho.com.br
- Introdução
O dia 12 de junho apesar de ser consagrado no Brasil como o dia dos namorados, também é uma data em que se comemora o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil.
Historicamente, com a Revolução Industrial (Século XVIII) o menor ficou completamente desprotegido, passando a trabalhar em média 16 horas diárias seguidas, especialmente nas minas de subsolo (MARTINS, 2019, p. 949). Por volta de 1802, já no século XIX, na Inglaterra é que teve início a redução da jornada de trabalho da criança para 12 horas, e a proibição de seu exercício para os menores de 09 anos (GARCIA, 2019, p.977). Assim, observa que o trabalho infantil até mesmo nos países considerados de “primeiro mundo”, era algo normal. Portanto, arraigado na cultura ocidental.
Atualmente, pela sociedade, é algo encarado como bom para o desenvolvimento da criança e do adolescente. Mas, essa prática é prejudicial, porque amplia a pobreza, a marginalidade e em caso de acidente de trabalho esses podem deixar marcas que, muitas vezes, tornam-se irreversíveis em suas vidas. Pois, as crianças e adolescentes são mais susceptíveis a esse tipo de ocorrência e podem se acidentar seis vezes mais que um adulto, e alguns casos geram problemas que perduram ao longo de toda a sua vida. Tanto que, segundo dados levantados pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, fraturas, mutilações, ferimentos causados por objetos cortantes, queimaduras, picadas por animais peçonhentos e morte são exemplos comuns de acidentes de trabalho, envolvendo crianças.
A mesma instituição aponta, que fatores físicos, como, fadiga excessiva, problemas respiratórios, doenças causadas por agrotóxicos, lesões e deformidades na coluna, alergias, distúrbios do sono, irritabilidade, são comuns em crianças e adolescentes explorados em trabalho.
Ademais, foram observados nesses estudos, aspectos psicológicos, como: abusos físicos, sexuais e emocionais são os principais fatores de adoecimento das crianças e adolescentes trabalhadores. Outros problemas identificados são: fobia social, isolamento, perda de afetividade, baixa autoestima e depressão.
Como também, os aspectos educacionais: baixo rendimento escolar, distorção idade-série, abandono da escola e não conclusão da Educação Básica, são comuns em crianças e adolescentes que tem sua mão de obra explorada.
Cabe ressaltar que quanto mais cedo o indivíduo começar a trabalhar, menor é seu salário na fase adulta. Isso ocorre, em grande parte, devido ao baixo rendimento escolar e ao comprometimento no processo de aprendizagem. É um ciclo vicioso que limita as oportunidades de emprego aos postos que exigem baixa qualificação e com baixa remuneração, perpetuando assim pobreza e a exclusão social.
No Brasil, entre os anos 2000 a 2010, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), havia quase 4.000.000 (quatro milhões) de crianças e adolescentes exercendo trabalho prejudicial a sua saúde física, psicológica e moral.
Após a intensificação da fiscalização do antigo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e também pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e dos programas de transferência de renda, essa realidade mudou um pouco, e em 2016, havia 2,4 milhões de crianças entre 5 a 17 anos trabalhando. Sendo que 66,2% do grupo identificado, eram negros e pardos. E suas famílias, possuíam uma renda mensal de menos de 50% do salário mínimo, em 2020, algo em torno de R$522,50.
Segundo a Agência Brasil, os Estados que mais exploram a mão de obra de crianças e adolescente são os Estados de, São Paulo (314 mil), Minas Gerais (298 mil), Bahia (252 mil) e Maranhão (147 mil) que ocupam os primeiros lugares. Nas outras regiões, ganham destaque os Estados do Pará (193 mil), Paraná (144 mil) e Rio Grande do Sul (151 mil).
Sabemos que há um longo caminho a ser percorrido no combate a esse problema que é de ordem cultural, e uma luta que merece ser tratada por todos, em especial pelo: Estado, Família, Sociologia e pelo Direito.
Mas, o que deve ser compreendido por trabalho infantil? O que diz a legislação brasileira sobre esse tema? E, quais são os casos de possibilidade e impossibilidade do trabalho infantil no ordenamento jurídico?
Essas indagações serão respondidas adiante, que utilizou como metodologia a Pesquisa Bibliográfica, dado o seu caráter qualitativo. Portanto, foram analisados dados em doutrinas, jurisprudência e literatura em geral, que colocou o professor em contato direto com o material, para apresentar uma resposta adequada ao objetivo aqui proposto, a saber, apresentar a visão jurídica do trabalho infantil.
2. Conceito e Denominação
Nem todo o trabalho exercido por crianças deve ser classificado como trabalho infantil. O termo “trabalho infantil” é definido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), como o “trabalho que priva as crianças de sua infância, seu potencial e sua dignidade, e que é prejudicial ao seu desenvolvimento físico e mental”.
Assim, as Convenção 138 e 182 da OIT, ao se referir sobre o trabalho infantil, o identifica como aquele que retira a força mental, física, social ou moralmente perigoso e prejudicial para as crianças; Que interfere na sua escolarização; Priva as crianças da oportunidade de frequentarem a escola; Obriga as crianças a abandonar a escola prematuramente; ou Exige que se combine frequência escolar com trabalho excessivamente longo e pesado.
Logo, o trabalho realizado por pessoa com idade inferior a 14 anos é proibido no Brasil.
Mas, a expressão Trabalho do Menor, como apresentado pela CLT a partir dos Artigos 402 e seguintes, não é adequada segundo a doutrina e a ciência do direito. Logo, “reconhece-se que a expressão criança e adolescente revela-se mais atual, especifica e adequada” (GARCIA, 2019, p.981).
E, assim, a terminologia apontada pela doutrina, está em consonância com os preceitos do artigo 203, II e 227 da Constituição Federal e também pelo próprio Estatuo da Criança e do Adolescente aprovado pela Lei 8.069/1990.
Nesse sentido, o Professor Sérgio Pinto Martins (2019, p.954), arremata esse tópico de forma fantástica, ao aduzir que “o menor não é incapaz de trabalhar, ou não está incapacitado para os atos da vida trabalhista; apenas, a legislação dispensa-lhe uma proteção especial. Daí por que os termos a serem empregados são crianças e adolescentes”. E é justamente essa proteção que será objeto de nossa pesquisa.
2.1 Proteção do Trabalho da Criança e do Adolescente
Verifica-se no artigo 227 da Constituição Federal, o seguinte texto:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Dessume-se então, que os principais atores que devem cuidar da criança e do adolescente são, a família, a sociedade e do Estado.
Por essa razão, foi que no campo normativo, o Estado, editou uma série de legislações que asseguram a proteção da criança e do adolescente, a exemplo disso, tem-se o inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal, que proíbe qualquer trabalho aos que tem idade inferior a 14, e o labor em local insalubre ou perigoso aos menores de 18 anos.
Observa-se ainda, que os textos constitucionais supra, estão em consonância harmoniosa com o artigo 7º da Lei 8.069/1990, ao aduzir que, a “criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.
E para a efetivação desses direitos, o artigo 68 do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece que caberá ao Estado criar um “programa social que tenha por base o trabalho educativo, sob responsabilidade de entidade governamental ou não-governamental sem fins lucrativos, deverá assegurar ao adolescente que dele participe condições de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada”.
Razão pela qual, foi editada a Lei 10.097/2000, também conhecida como a Lei de Aprendizagem, que alterou vários dispositivos da CLT, dos quais serão apontados adiante.
2.2 O Trabalho da Criança e do Adolescente na Legislação Brasileira
As legislações anteriormente apontadas, só roboraram aquilo que a doutrina trabalhista já vinha apregoando de forma uníssona, os quatro fundamentos principais da proteção do trabalho da criança e do adolescente. Que são: 1) de ordem cultural, pois o menor deve estudar e receber as instruções adequadas.
2) de ordem moral, pois são proibidos o exercício do trabalho em local que prejudique a sua moral.
3) de ordem fisiológica, porque é importante ter um desenvolvimento físico normal e saudável, logo, é proibido o trabalho em local insalubre, perigoso, penoso ou a noite; e,
4) de ordem da segurança, pois a longa jornada de trabalho imposta a uma criança lhe expõem a eminente risco de acidente de trabalho. Dessa forma, merecem a proteção do Estado. (MARTINS, 2019).
Dito isso, pergunta-se: Em relação ao trabalho do menor, o que pode e o que não pode ocorrer no ordenamento jurídico brasileiro?
Como já apontado é proibido o trabalho de menores de 14 anos, assim como também até os 18 anos, é proibido o labor em lugar insalubre ou perigoso e a noite.
Já a partir dos 14 anos, o adolescente (14 a 18 anos) e o jovem (19 a 24 anos) poderá trabalhar na condição de aprendiz. Sendo-lhe “assegurados os mesmo direitos trabalhistas e previdenciários do empregado adulto” (LEITE, 2019, p.708).
Desse modo, de acordo com o artigo 428 da CLT, contrato de aprendizagem é um contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e com prazo determinado, com duração máxima, em regra, de dois anos. O empregador se compromete, nesse contrato, a assegurar ao adolescente/jovem com idade entre 14 e 24 anos, inscrito em programa de aprendizagem, uma formação técnico profissional metódica, compatível com seu desenvolvimento físico, moral e psicológico. O aprendiz, por sua vez, se compromete a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação.
Para validade desse contrato de aprendizagem, se faz necessário, observar os requisitos legais abaixo, pois trata-se de contrato de trabalho por prazo determinado, e caso não observado os requisitos, esses transforma-se em contrato por prazo indeterminado.
A anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, matrícula e frequência do aprendiz na escola, caso não haja concluído o ensino médio, e inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica (§ 1º, artigo 428 CLT).
A garantia do salário ao aprendiz, de salário nunca inferir ao salário mínimo, podendo ser proporcional a hora trabalhada (§ 2, artigo 428 CLT).
O Contrato de Aprendizagem terá por duração máxima 02 anos, logo, não poderá ser estipulado por mais do que esse prazo, além de não poderá ser prorrogado mais de uma vez, caso contrário será considerado contrato por prazo indeterminado. Já o aprendiz que é portador de deficiência, poderá ser celebrado contrato escrito por prazo superior aos dois anos e “não há limite estabelecido na lei” (MARTINS, 2018, p. 406) que possa limitar sua existência.
A empresa não deverá firmar contrato de experiência com jovem aprendiz sendo convertido para contrato por prazo indeterminado, em virtude do disposto no artigo 452 da CLT e artigo 13 § 4º da IN SIT 146/2018.
Na vigência do contrato de aprendizagem, a empresa não pode alterar a modalidade desse contrato para prazo indeterminado. Pois de acordo com extinto Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) o contrato de aprendizagem é de natureza especial, cujo objetivo principal é a formação profissional do aprendiz e uma vez respeitado os comandos legais, somente, quando o contrato de aprendizagem chegar ao seu termo, o adolescente/jovem poderá ser contratado por prazo indeterminado.
Para os fins do contrato de aprendizagem, a comprovação da escolaridade de aprendiz com deficiência deve considerar ainda, sobretudo, as habilidades e as competências relacionadas com a profissionalização.
Na vigência desse contrato, a jornada de trabalho do aprendiz será de no máximo de 44 horas semanais, não podendo fazer hora extra, exceto, para não trabalhar aos sábados, o que deverá estar expresso no Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho, não podendo ser feito por acordo individual, limitado a extensão dessa jornada para 02 (duas) horas diárias. Ou até mesmo, em caso de força maior, desde que o trabalho do menor seja imprescindível para o funcionamento do estabelecimento, nesse caso, a jornada limite será de 12 horas, com o pagamento acrescido de no mínimo 50% em sua remuneração. (MARTINS, 2019).
Em relação ao menores de 18 anos, quando trabalhar para mais de um estabelecimento, qual seja, mais de um empregador, a horas de trabalho em cada um serão totalizadas e não poderão ser superior a jornada de 44 horas semanais, como determina o artigo 414 da CLT.
Como o contrato de trabalho de aprendizagem, que visa, a aprendizagem de um ofício para exercer no futuro uma profissão. Logo, possui caraterística próprias, tanto que pode ser usado para jovens de 14 a 24 anos, e não se confunde com o contrato de estágio. Deve-se sublinhar esse ponto, o contrato não poderá ser celebrado pelo período de 14 a 24 anos, levando em consideração a idade do aprendiz; mas o tempo máximo desse contrato é de 02 anos, não podendo ter nesse prazo de 02 anos mais de uma prorrogação, sob pena de se transformar em contrato por prazo indeterminado.
Nas localidades onde não houver oferta de ensino médio para o cumprimento do contrato de aprendizagem, a contratação do aprendiz poderá ocorrer sem a frequência à escola, desde que ele já tenha concluído o ensino fundamental.
Outrossim, “qualquer estabelecimento são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacional de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a 5% no mínimo, e 15% no máximo, dos trabalhadores existente em cada estabelecimento, cuja funções demandem formação profissional” (MARTINS, 2019, p.971). Nessa toada, os estabelecimentos que tenham pelo menos sete empregados contratados nas funções que demandam formação profissional, já devem contratar, como disciplina a IN 146/2018 MTE. Não se aplicando as empresas enquadradas no regime tributário do Simples Nacional como determina o artigo 51, III, LC 123/2006.
Uma vez matriculado o aprendiz e regularmente matriculado no curso de Aprendizagem fornecido pelo Senai, Senac, Senat e Senar, fluirá normalmente os direitos do aprendiz, recebendo assim, salário, férias, 13º salário, depósito do FGTS.
Nada obstante, é relevante apontar que a jovem aprendiz que fica grávida na vigência do contrato de aprendizagem tem direito à estabilidade provisória do emprego, desde a confirmação da gravidez, até cinco meses após o parto. Logo, ante ao inciso III da Súmula TST nº 244, a estabilidade provisória deve prevalecer inclusive sobre os contratos de prazo determinado, assim, a empresa não mais poderá extinguir o contrato de trabalho de aprendizagem no seu prazo final (término de contrato), da aprendiz gestante. Neste caso, é salutar que a empresa faça um aditivo ao contrato de trabalho, a partir da data final estipulada, em razão da gravidez, passando o contrato que, até então era por prazo determinado para indeterminado e, não mais na condição de aprendiz. Ressalta-se ainda, a empregada, não podendo ser demitida sem justa causa até o prazo final da estabilidade provisória da gestante, qual seja, até cinco meses após o parto.
O aprendiz que não se adaptar às condições de trabalho para efeito de aprendizagem, poderá ter seu contrato de trabalho rescindido de forma antecipada. O mesmo caso, também se aplica se houver desempenho insuficiente do aprendiz, inclusive na sua ausência nas aulas escolares, na perda do ano letivo. Nessas hipóteses, não será devido ao trabalhador a indenização de metade da remuneração até o término do contrato, prevista no artigo 479 CLT. Como também é possível a dispensa do aprendiz nos casos de justo motivo, nas cláusulas do artigo 482 da CLT.
3. Conclusão
A ausência de quaisquer dos requisitos apresentados no tópico anterior, para a celebração do contrato de trabalho de aprendizagem, “implica a sua nulidade absoluta, atraindo a ira do art.9º da CLT, consequentemente, o aprendiz terá todos os direitos trabalhista do empregado comum (LEITE, 2019, p.709).
Isto posto, deve-se resgatar a família, a sociedade e o Estado, o seu olhar para os preceitos do artigo 227 da CF, que cuida de um dever emancipatório para que os nossos jovens e também da nação brasileira.
Prof. Me. Helberty Coelho
27/04/2020
REFERÊENCIA
___Conceito de Trabalho Infantil segundo a OIT. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-infantil/WCMS_565163/lang–pt/index.htm. Acessado em 27/04/2020
IBGE: O trabalho infantil em gráficos. https://censo2010.ibge.gov.br/apps/trabalhoinfantil/outros/graficos.html. Acessado em 27/04/2020
GARCIA. Gustavo Filipe Barbosa Garcia. Curso de Direito de Trabalho. 14ª ed. Saraiva, São Paulo: 2019
LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 11ª ed. Saraiva, São Paulo: 2019
MARTINS. Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 36ª ed. Saraiva, São Paulo: 2019
MARTINS. Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 21ª ed. Saraiva, São Paulo: 2018
___Ranking das regiões que exploram o trabalho infantil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2019-06/trabalho-infantil-ainda-e-preocupante-no-brasil-diz-secretaria, Acessado em 27/04/2020
Atenção: É proibido o uso desse material sem a autorização de seu produtor. Ficando o infrator sujeito as penalidades, sob pena de violação dos direitos autorais, crime estabelecido na Lei 9.610/1998 e punido pelo artigo 184 do Código Penal