Certidões Negativas: Aspectos Legais

Prof. Me. Helberty Coelho

diretoria@hcoelho.com.br

05/05/2020

  1. Introdução

A prova de estar quites com determinadas obrigações é algo comum tanto na vida das pessoas físicas quanto nas das pessoas jurídicas.

Assim, seja para tomar posse em cargos públicos ou até mesmo para participar em licitações públicas, tomar empréstimos e financiamentos, realizar aquisição de empresas, comprar e vender imóveis, registrar atos mercantis e tantos outros negócios jurídicos, essa necessidade é premente no cotidiano de todos.

Para tanto, há na Constituição Federal a garantia que assegurada a todos, independentemente do pagamento de taxas, o direito “a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal” (b, XXXIV, Art. 5º, CF/1988).

O Direito Tributário, reservou os artigos 205 a 208 do Código Tributário Nacional (CTN) para tratar sobre essa matéria.

Mas o que é a certidão negativa de débitos tributários?

Ora, cuida-se de um documento apto a comprovar a inexistência da exigibilidade do crédito tributário de terminado contribuinte, relativo a um certo tributo dentro de um período. Representando assim, “um documento comprobatório da inexistência de débito por parte do contribuinte em relação a Fazenda Pública” (GANDRA, 2008, p. 571).

2. Comentários: reflexões sobre a (i)legalidades

A exigência da apresentação das certidões negativas esta presente em diversos artigos do CTN, das quais destacam-se: a) sentença de extinção das obrigações do falido (artigo 191); b) concessão da recuperação judicial (artigo 192); c) sentença de adjudicação e partilha (artigo 192) e; d) contratação com a administração pública (artigo 193).

Embora, a exigência das certidões negativas seja pacificamente aceita pela comunidade social, sua exigência é inaceitável para que o contribuinte possa realizar certos negócios jurídicos, em especiais os empresários, pois fere, o Preceito do Informalismo existente no Direito Empresarial, qual seja, em função do dinamismo da atividade empresarial exigem meios ágeis e flexíveis para a realização das práticas mercantis.

Nesse sentido, Eduardo Sabbag (2014, p.978) entende que a “exigência de certidão negativa terá amparo constitucional, na medida em que estiver atrelada à busca do interesse público”.

Mas o que é interesse público?

Cuida-se do “interesse do todo, ou seja, do próprio conjunto social, assim, (…) não se confunde com o interesses individuais, peculiar de cada qual (MELLO, 2009, p. 59)”.

Mas, o artigo 205 do Código Tributário Nacional firmou entendimento acerca da possibilidade da exigência da certidão negativa quando a lei exigir a prova da quitação de determinado tributo. Nesse caso, o contribuinte deverá requerer e Repartição Fazendária que a expedirá no prazo de 10 dias corridos e não úteis o referido documento.

Logo, o fornecimento da certidão negativa, obedecido os requisitos da lei, é obrigatório no prazo estabelecido de dez dias, podendo ser requerido pelo contribuinte ou até por pessoa que tenha interesse legítimo. A resistência do fisco no fornecimento do referido documento, configura abuso de autoridade e ofensas a direitos e garantias constitucionais, como o direito de petição (BALEEIRO, 2015).

Mas, essa exigência é duramente criticada pela doutrina e temos exemplos eloquentes que seguem adiante.

Eduardo Marcial Ferreira Jardim, comentando os artigos 205 a 208 do CTN coordenado pelo ilustre jurista Ives Gandra da Silva Martins (2008), apresenta um exemplo interessante, que merece ser aqui apontado.

Supondo que a empresa “A” apresente proposta mais vantajosa para realização de uma obra pública, objeto de uma licitação, obtendo menor custos, menor espaço de tempo para sua realização, com capacidade técnica inigualável, além de experiência e tradição no mercado. A aludida empresa seria excluída do procedimento licitatório pela ausência da certidão negativa.

Tal exclusão se daria, não porque se trata de um devedor contumaz ou sonegador, mas por “precariedade do controle de débitos por parte da Fazenda Pública, não raro, enseja o registro de débitos inexistentes (GANDRA. 2008, p.573)”.

Nesse caso, apesar da capacidade da empresa “A”, essa seria excluída do procedimento pela ausência da certidão negativa.

Como se vê, o interesse público fica prejudicado em virtude de uma formalidade burocrática destituída de qualquer sentido lógico. Aliás, esse anacronismo medieval traduz um meio pelo qual a Fazenda Pública coura suprir a sua falta de capacitação no sentido de bem gerenciar a tributação. (GANDRA. 2008, p.573)

Na hipótese acima delineada, há vozes dissonantes que entendem ser possível haver a dispensa da certidão, pela autorização do artigo 207 do CTN, todavia, esse entendimento é minoritário, até porque a parte b do caput do referido artigo, coloca como responsável pela contribuição tributária “todos os participantes no ato pelo tributo porventura devido”; então pergunta-se: a própria Administração Pública que pretende contratar, assumirá a responsabilidade de dívida tributária de terceiros? É obvio que não.

Pois bem. O celebrado jurisprudente Hugo de Brito Machado (2005, p.893) entende que a exigência da certidão negativa constitui uma forma oblíqua de se exigir a cobrança de tributos, que termina por burlar as garantias constitucionais da liberdade, dos bens e do devido processo legal, pois em caso de qualquer pendência o fisco está impedido de emitir o documento fiscal sem mesmo apurar a contenda por meio de um processo administrativo regular com respeito a ampla defesa e o contraditório, via essa, que não é própria na esfera tributária, pois a cobrança do tributo deve se dar por meio da execução fiscal que possui legislação própria.

Eduardo Sabbag (2014, p.978), aduz que a “negativa estatal na liberação da certidão não pode servir de ‘isca para tributar’, sob pena de se mostrar abusiva, na esteira do arbítrio por parte do agente público”. Ora, o particular busca uma certidão negativa para aferir sua situação fiscal e não para regularizar. Então, a exigência da quitação do tributo para sua liberação tornar um instrumento oblíquo de arrecadação, que por sua vez é vedado pela ordem jurídica.

Para arrematar, a professora Misabel Derzi comentando a obra do saudoso tratadista Aliomar Baleeiro (2015, p.1502), preconiza que “o ato normativo pelo qual se podem exigir de forma legítima as certidões negativas é a lei em sentido estrito, sendo vedado meros atos administrativos”.

Posto isso, a certidão pode ser exigida, mas desde esteja nos limites impostos pela Constituição Federal que garanta: a) o exercício da atividade profissional (art. 5º, XIII e XVIII); b) o valor social do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV); e c) legalidade (art. 5º, II e parágrafo único do artigo 170).

Qualquer exigência fora desses padrões restam por violar preceitos consagrados na Carta Maior de 88. Restando de pouca valia o reconhecimento constitucional desses direitos fundamentais se o legislador infraconstitucional ou até mesmo os agentes fazendários condicionam o seu exercício. E assim, terminam por ferir preceitos já julgados pelo Supremo Tribunal Federal que resultaram na edição das Súmulas 70, 323 e 547.

3. As espécies de certidões tributárias

 De forma prática, existem três espécies de certidões tributárias, a saber:

  1. Negativa: que demonstra a inexistência de débitos ativos em relação aquele contribuinte que realiza o pedido.
  2. Positiva: que aponta quais são os débitos ativos existente para aquele contribuinte que realizou o pedido da certidão.
  3. Positiva com efeito negativo: cuida-se de uma certidão onde existem débitos ativos para aquele contribuinte, todavia, esses créditos estão com sua exigibilidade suspensa, seja pela moratória, depósito judicial da dívida, reclamação ou recursos administrativos, liminar em ações judiciais ou até mesmo pelo parcelamento, ou ainda, garantido o débito por meio de uma penhora idônea aceita pelo juízo.

Uma forma rápida para o Contribuinte ter acesso a certidão positiva com efeito negativo seria a possibilidade da propositura pelo Contribuinte de uma ação cautelar com oferecimento de uma garantia real, requerendo liminarmente a emissão da certidão positiva com efeito de negativa. Certo de que não mais dispõe de meios de defesa na esfera administrativa e nem recursos financeiros para depositar integralmente o valor do débito para requerer a suspensão da exigibilidade do crédito tributário nos termos do inciso II do artigo 151 do CTN.

É importante salientar que a Certidão Positiva com Efeito Negativo, demonstra a lisura do contribuinte com relação a obrigação tributária, e assim, possui o mesmo efeito que uma Certidão Negativa.

4. Certidão Emitida com Dolo

A regra contida no artigo 208 do CTN atribui a responsabilidade pessoal do servidor público que emitir a certidão negativa com falsidade.

A doutrina entende que o servidor que agir com dolo, responderá criminalmente por essa emissão além de ser responsabilizado pessoalmente por todo o crédito tributário, acrescidos de juros e mora. Já havendo apenas culpa, responderá tão somente disciplinarmente sem a necessidade de ter que arcar com o pagamento do tributo.

Essa regra também na visão doutrinária é contraproducente, pois protege o contribuinte desonesto e responsabiliza o servidor que possui parcos recursos para arcar com a integralidade do débito. Ademais, esse preceito viola o artigo 3º do próprio Código Tributário Nacional que entende que tributo “não constituiu sanção de ato ilícito”.

5.Conclusão

Apesar da normalidade de se exigir a certidão negativa de débitos tributários para o exercício de diversos atos jurídicos no cotidiano das pessoas, essa prática não é bem vista pela doutrina. Porque em muitos casos há de fato a violação de direitos consagrados pela Constituição Federal, pelo exercício irregular do Estado. Razão pela qual é interessante conhecer a plenitude desse instituto jurídico presente no final do CTN.

Prof. Me. Helberty Coelho

05/05/2020

REFERÊNCIA:

BALEEIRO. Aliomar. Direito Tributário Brasileiro: atualizado por Misabel Derzi. 13ª ed. Forense. Rio de Janerio: 2015.

MACHADO. Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. Voluma III, Atlas. São Paulo: 2005

MARTINS. Ives Gandra da Silva. Comentários ao Código Tributário Nacional. Volume 2. 5ª ed. rev. e atual. Saraiva. São Paulo: 2008

MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. rev. e atul. Malheiros, São Paulo: 2009

SABBAG. Eduardo. Manual de Direito Tributário. 6ª ed. Saraiva, São Paulo: 2014

Helberty Coelho

Mestre em Interdisciplinaridade (UNIVALE), Professor nos Cursos de Direito, Ciências Contábeis e Administração (UNIVALE), Advogado atuante nas áreas do Direito Tributário, Empresarial, Trabalho e Bancário, Graduado em Direito pela Universidade Vale do Rio Doce. Contabilista que possui larga experiência profissional nas áreas: Societária, Tributária e IFRS. Atuante nas seguintes temáticas: Direito, Contabilidade, IFRS, Território, Ética, Mercado Econômico, Liberdade e Justiça, com enfoque em Adam Smith e Amartya Sen.

Este post tem um comentário

  1. ELCIMAR REIS

    Ótimo texto professor! Bem explanado, de uma forma sintética e simples. Parabéns! Gostei muito do site. Acho que possa ser uma ótima ferramenta para a publicação dos futuros textos. Abraços.

    P.s: o texto tem alguns erros de ortografia e concordância. Talvez seja interessante editá-lo, a fim de corrigi-los.

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