Prof. Me. Helberty Coelho diretoria@hcoelho.com.br
- Introdução
A fidúcia é um elemento imprescindível nos contratos de trabalho, afinal, o empregador confia que o empregado trabalhará da melhor maneira possível, e este, confia que receberá de seu empregador a remuneração devida, no final do período.
Mas, havendo a quebra dessa fidúcia por uma das partes, nasce o direito da rescisão do contrato de trabalho por justa causa. Mas, qual o conceito desse instituto?
O saudoso tratadista Amauri Mascaro Nascimento (2015, 1251), conceitua a justa causa como uma “ação ou omissão de um dos sujeitos da relação de emprego, ou de ambos, contrária aos deveres normais impostos pelas regras de conduta que disciplinam suas obrigações resultantes do vínculo jurídico”.
Para tanto, o presente trabalho se ocupará de cuidar da rescisão por justa causa do contrato de trabalho por iniciativa do empregador em desfavor do empregado, nos termos do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho.
E assim, utilizando da Pesquisa Bibliográfica com metodologia, deixará aqui alguns preceitos importantes para a correta compreensão e aplicação desse instituto para evitar qualquer questionamento futuro.
2. Enquadramento geral
Alguns elementos importantes se fazem necessários para a configuração da justa por iniciativa do empregador em desfavor do empregado, a saber, 1)gravidade; 2)atualidade; e 3) imediatidade.
Nesse sentido, a gravidade, é o elemento que o empregador deve observar, pois, o ato que o empregado incorrer deve ser de fato plenamente grave, qual seja, o seu comportamento deve ser ilícito e sua conduta deve se amoldar em um dos elementos contido no artigo 482. Se assim não for, deve haver uma proporcionalidade na penalidade aplicada ao empregado. Desse modo, as faltas leves, médias e graves devem ser punidas com penalidades também leves, médias e graves, respectivamente. Caso isso não ocorra, o empregador poderá ser responsabilizado pelo abuso do poder de comando causador de injustiças.
Também, o ato deve ser atual, praticado na mesma ocasião a que segue a rescisão contratual, perdendo a eficácia faltas anteriores cometidas. Assim, o empregador deverá aplicar a punição ao empregado logo que o fato chegar ao seu conhecimento sob pena de caracterizar-se como perdão tácito. A falta do empregado no momento em que é conhecida, mesmo que antiga, deverá ser punida, pois é impossível puni-la sem que se tenha tomado conhecimento dela. É por este motivo que a referida falta torna-se atual. Inexiste na legislação trabalhista um prazo para que seja aplicada a punição, ficando a decisão final confiada à Justiça do Trabalho (NASCIMENTO, 2015).
E, por imediatidade, deve-se entender que toda punição disciplinar, seja ela advertência, suspensão ou dispensa por justa causa, deve ser imediata, logo após a ciência da falta pelo empregador. Não pode transcorrer um tempo muito longo, sob pena de ficar configurado o perdão tácito, que dissolve a justa causa. Se houver sindicância ou inquérito judicial para apurar a autoria do fato, a sanção disciplinar deve ser aplicada logo após a solução dos referidos procedimentos.
É sobremodo importante pontuar que o empregador não poderá punir o empregado mais de uma vez por uma só falta cometida, pois fere os princípios básicos relativos à manutenção da ordem interna da empresa. Assim, se o empregado já foi suspenso por faltar sem justificativa, por exemplo, não pode ser dispensado por justa causa pela mesma falta já punida anteriormente. Para tanto, observe o entendimento dos tribunais judiciais brasileiros,
JUSTA CAUSA. ÔNUS DA PROVA. DUPLA PUNIÇÃO – A justa causa é a mais grave penalidade aplicável ao empregado, pois, além de retirar-lhe o direito a verbas no acerto rescisório, pode abalar a reputação do cidadão no mundo do trabalho, razão pela qual se exige prova robusta da conduta faltosa. Por isso, à luz dos artigos 818 da CLT e 373 II do CPC, é da empresa o ônus de comprovar, de forma inequívoca, as acusações imputadas ao trabalhador. Além disso, é vedado pelo nosso ordenamento jurídico a ocorrência da dupla punição para o mesmo ato faltoso. Assim, tendo sido evidenciado o descumprimento de um requisitos necessários à configuração da rescisão contratual por justa causa, há de ser revertida em dispensa imotivada. (TRT-1 – RO: 01003844120185010016 RJ, Relator: Gustavo Tadeu Alkmim, Data de Julgamento: 28/01/2020, Primeira Turma, Data de Publicação: 08/02/2020)
Pois bem. É salutar apontar que a justa é extremante prejudicial ao empregado, tanto no aspecto moral – pois levará consigo essa punição por toda uma vida, quanto no aspecto patrimonial – pois, o empregado só terá direito às férias vencidas e proporcionais, acrescidas de 1/3 constitucional, e o saldo de salário. Não fazendo jus ao recebimento de 13º, aviso prévio e FGTS. (LEITE, 2019)
Existem aqueles que insistem em afirmar que o empregado dispensado na modalidade da justa causa faz jus ao recebimento do 13º salário, assim, para não deixar dúvidas sobre a impossibilidade do recebimento, colaciona-se aqui um recente julgado do Tribunal Superior do Trabalho, observem,
13º SALÁRIO PROPORCIONAL – DISPENSA POR JUSTA CAUSA – INDEVIDA A VERBA. 1. A Lei 4.090/62, em seu art. 3º, estabelece o pagamento do 13º salário na hipótese da rescisão sem justa causa do contrato de trabalho. 2. Esta Corte Superior entende que, na ocorrência de demissão por justa causa, é indevido o pagamento do 13º salário proporcional, nos termos do referido dispositivo legal. 3. In casu, o Regional manteve a decisão de piso que condenou a Reclamada ao pagamento da gratificação natalina proporcional, não obstante a demissão por justa causa do Empregado. 4. Logo, tratando-se de rescisão contratual por justa causa, constata-se que o acórdão regional violou o art. 3º da Lei 4.090/62. Recurso de revista provido. (TST – RR: 210857720155040261, Relator: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 29/05/2019, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/05/2019) (Nosso grifo)
Posto isso, conheçamos agora as situações autorizativas para a dispensa do empregado por justa causa.
3. Os motivos da Justa Causa
Feito essas considerações, é importante listarmos as causas possíveis de aplicação da justa causa prevista no artigo 482 da CLT
a) Ato de improbidade – trata-se de todos os atos contrários praticados pelo empregado às regras morais ou jurídicas como, por exemplo, desonestidade, abuso, fraude, furto de valores ou materiais da empresa – sendo irrelevante o valor, atos tomados pela má-fé como justificar os serviços médicos com atestados falsos. Sergio Pinto Martins (2018, p. 594) entende que “não é preciso a reiteração do ato para configurar a ação da justa causa, sendo que uma única falta irá caracterizar a improbidade, por abalar a confiança que deve existir no contrato no contrato”.
c) Incontinência de conduta ou mau procedimento – São atos ligados à natureza sexual praticados pelo empregado, que levarão à perda do respeito e o seu bom conceito perante a empresa e seus colegas de trabalho, caracterizando-se como uma falta grave para o despedimento.
c) Negociação habitual – trata-se de atos do comércio praticado com habitualidade pelo empregado sem autorização do empregador, havendo autorização, não haverá a justa causa. Nada impede que o empregado tenha mais de um empregador, mas suas atividades não poderão prejudicar ao serviço de nenhum de seus empregadores. Se constata prática de ato de concorrência com o empregador, o assédio no intuito de tomar clientes e com isso reduzir o faturamento deste, podendo inclusive causar-lhe prejuízo. Nos termos da lei, a falta independe da ocorrência de prejuízo. Nesta modalidade, ressalte-se que a dispensa não necessita de advertência ou suspensão prévia. Assim, comprovada a gravidade do ato motivador, o imediatismo da rescisão e o nexo de causalidade, resta mantida a dispensa por justa causa (TRT-1 – RO: 01004067520185010024 RJ).
d) condenação criminal do empregado, para haver a justa causa nessa modalidade, é preciso que o empregado seja condenado criminalmente com sentença transitada em julgado, ou seja, que não caiba mais recurso. Se a sentença ainda estiver em fase recursal não se caracterizará como justa causa.
e) Desídia, consiste na repetição de pequenas faltas leves, que se vão acumulando até culminar na dispensa do empregado. Isto não quer dizer que uma só falta não possa configurar desídia. O empregado trabalha com desídia no desempenho de suas funções quando o faz com negligência, displicência, indolência, preguiça, má-vontade, desatenção, omissão, relaxamento. Uma única desídia, em regra não autoriza a justa causa.
f) embriaguez habitual – para a configuração da justa causa é irrelevante o grau de embriaguez e tampouco a sua causa (álcool ou drogas). Configura-se de duas maneiras: habitual ou em serviço. Se o empregado embriaga-se contumazmente fora do serviço, transparecendo este ato no serviço, está caracterizada falta grave. De outro lado, se a embriaguez ocorre em serviço, a justa causa também será observada. É importante destacarmos que algumas decisões judiciais são no sentido de que a embriaguez é uma doença e como tal deve ser tratada, não acatando, portanto, a justa causa nestes casos, logo, ante a essa situação recomenda-se enviar o empregado ao médico da empresa para que seja tomada uma decisão de forma sensata.
g) violação de segredo da empresa; A revelação só caracterizará violação se for feita a terceiro interessado, capaz de causar prejuízo à empresa ou a possibilidade de causá-lo de maneira apreciável. O empregado deverá manter guardado para si todo segredo que por descuido chegou até ele, sob pena de ser dispensado por justa causa. A justa causa será caracterizada somente quando o segredo for relativo à empresa. Segredos relativos ao empregador não caracterizam justa causa. Os segredos relativos à empresa são, por exemplo, os segredos de negócios, de fábrica, de desenvolvimento de produtos, fórmulas, entre outras.
h) Ato de indisciplina ou de insubordinação; nessas hipóteses, tanto na indisciplina quanto na insubordinação existem atentados aos deveres jurídicos assumidos pelo empregado pelo fato de sua condição de empregado subordinado. A desobediência a uma ordem específica, verbal ou escrita, constitui ato típico de insubordinação; a desobediência a uma norma genérica constitui ato típico de indisciplina. Contudo, deve existir a sobriedade e a sensatez, porque o empregador exigir serviços superiores às forças do empregado, proibidos por lei, faculta-lhe recusar o cumprimento, caracterizando, por outro lado, rescisão indireta.
i) Abandono de emprego; é configurado pelo não comparecimento ao serviço de forma continuada, sem justo motivo, e sem permissão do empregador, ou pela ausência reiterada com justo motivo, mas sem a comunicação ao empregador dos motivos que justifiquem, pois o empregador não tem a obrigação de adivinhar os motivos que levaram o empregado a não comparecer ao serviço. Nesse caso, a falta injustificada é o elemento material, outra característica é o elemento psicológico, a intenção, o ânimo e a vontade do empregado de não mais voltar ao trabalho. Deverá ser levada em consideração a quantidade de faltas ao trabalho, nesse sentido a legislação trabalhista não determinou o tempo certo, a jurisprudência trabalhista tem entendido que para se configurar o abandono de emprego é necessário que o empregado falte ao serviço injustificadamente por período superior a 30 dias (Súmula TST nº 32).
Para caracterização do abandono de emprego a empresa deverá notificar o empregado ausente, solicitando seu comparecimento e concedendo-lhe prazo para explicar os motivos que o impedem de trabalhar ou para reassumir suas funções. A notificação deverá ser enviada por correspondência no endereço domiciliar do empregado, conforme anotado na ficha ou livro de registro de empregado, devendo nesse caso, guardar o comprovante de entrega não podendo ser feita por comunicação no jornal. Decorrido o prazo concedido sem qualquer manifestação do empregado, a rescisão do contrato de trabalho é automática. Cabe então à empresa enviar o aviso de rescisão ao empregado, solicitando seu comparecimento para acerto, mediante uma das formas de notificação mencionadas anteriormente.
j) Ato lesivo da honra ou da boa fama, nessa situação esses deverão ser praticados no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem. Para tanto, são considerados lesivos à honra e à boa-fama gestos ou palavras que importem em expor outrem ao desprezo de terceiros ou por qualquer meio magoam sua dignidade pessoal. Na aplicação da justa causa, devem ser observados os hábitos de linguagem no local de trabalho, a origem territorial do empregado, o ambiente onde a expressão é usada, a forma e o modo em que as palavras foram pronunciadas, o grau de educação do empregado e outros elementos que se fizerem necessários. A realização de atos ou comportamentos dentro ou fora da empresa, tanto ao empregador como a outras pessoas e seus superiores hierárquicos, será suficiente para caracterizar demissão por justa causa.
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos. Ocorrendo a ofensa física com a agressão do empregado contra qualquer pessoa, inclusive ao empregador e superiores hierárquicos considera-se justa causa, salvo em caso de legítima defesa própria ou de outrem.
l) Prática constante de jogos de azar. O jogo de azar é aquele em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente de sorte. Para que o jogo de azar constitua justa causa é imprescindível que o jogador tenha intuito de prática constante, reiterada, contumaz, sem a autorização do empregador. Caso a prática destes jogos ocorra dentro do serviço, deverá ser enquadrada na justa causa.
m) perda da habilitação. Não é qualquer perda da habilitação para o exercício da profissão que permite a rescisão por justa causa do contrato de trabalho, mas apenas aquela que decorrer de uma conduta ou ação dolosa do trabalhador. O empregado tem de ter cometido a falta intencionalmente, ou assumido o risco de produzir o resultado. Esse é seu aspecto subjetivo. O aspecto objetivo é o de que a falta efetivamente inabilite o trabalhador ao exercício da profissão. Pode-se citar, como exemplo, o caso da embriaguez ao volante para os empregados que exercem a atividade de motorista. De outro lado, quando o dispositivo fala em perda da habilitação ou dos requisitos, entende-se a possibilidade do rescisão nessa modalidade quando houver a suspensão da habilitação, ainda que temporária. É importante ressaltar que esta regra aplica-se a todas as profissões que exijam habilitação profissional para exercer a função, como, por exemplo, médicos, engenheiros, advogados, contadores e demais, profissionais que necessitam de estar devidamente inscrito nos conselhos de classes de suas profissões.
n)Atos atentatórios contra à segurança nacional. Diz respeito à prática de atos atentatórios contra a segurança nacional configurados por meio de palavras, gestos ou atitudes delituosas previstas na Lei nº 7.170/83, que ponha em risco a segurança nacional, a exemplo dos atos de terrorismo, de malversação da coisa pública e dentre outros na norma apontada.
4. Conclusão
Há também causas específicas para a aplicação da justa causa, como: 1)inadimplemento contínuo do empregado bancário que de forma reiterada não paga dívidas legalmente exigíveis; 2) ausência das aulas do menor aprendiz, 3) a recusa do ferroviário de fazer horas extras em casos de urgência ou acidente; 4) a inobservância do empregado no uso do equipamento de proteção individual (EPI) .
Por fim, querendo o empregador lançar mão desse instituto deverá provar o enquadramento do empregado, sob pena de despedimento injusto, com até mesmo a possibilidade de ter que reparar o dano moral causado ao seu trabalhador.
Prof. Me. Helberty Coelho
29/04/2020
REFERÊNCIAS:
GARCIA. Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito de Trabalho. 14ª ed. Saraiva, São Paulo: 2019
LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 11ª ed. Saraiva, São Paulo: 2019
MARTINS. Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 21ª ed. Saraiva, São Paulo: 2018
MARTINS. Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 36ª ed. Saraiva, São Paulo: 2019
NASCIMENTO e NASCIMENTO. Amauri Mascaro e Sônia Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 29ª ed; Saraiva, São Paulo: 2015